sexta-feira, 6 de maio de 2011

Maksim Górki: um revolucionário em cores

Queridos leitores,

      Recentemente recebi um post bastante interessante de uma pessoa que gosta muito da literatura russa e que tem a noção de como a nossa visão a respeito das obras muda com o passar dos anos. Digo que compartilho dessa opinião, pois o mesmo acontece comigo. Já reli muitas obras e a cada releitura, me sinto renovada e percebo que o meu olhar ficou mais abrangente mas a beleza das obras continua lá, me esperando, me chamando. 
     Em seu comentário, este leitor fala dos efeitos sensoriais que as obras russas provocam. É perfeitamente possível que se veja as imagens e que se sinta os cheiros que os livros exalam e é por esse motivo que eu falo a vocês um pouco sobre o autor russo Maksim Górki, um dos meus escritores favoritos. 
     Há muito se estuda o escritor Maksim Górki como o fundador do realismo socialista russo, escritor de força política e de escrita arrojada e traçante.  Porém, ao mergulhar no universo gorkiano, notei que a cada página estava diante de uma espécie de pintura onde é perfeitamente perceptível a presença de uma paleta de cores pronta para pincelar a literatura. Não que os outros escritores russos não tenham explorado a refratabilidade das cores, mas Górki o fez com uma maestria imensurável.
    O ambiente em que Górki, que em russo significa o amargo (pseudônimo de Aleksiei Maksímovitch Piechkóv), cresceu e escreveu era de uma hostilidade ímpar, fato que produziu um texto de pontaria certeira que contou com o desfile de personagens coloridos de raiva, angústia, dor, medo, fé e confiança. Como um Oliver Twist russo, Aleksiei/Górki enfrenta as ruas e pinta em cores vivas tudo aquilo que vê com olhos, enfrentando proeminentes injustiças em sua estrada.
     Para entendermos melhor como as cores se misturam a textos de cunho autobiográfico como os de Górki, devemos começar com um exemplo bem simples. Desde sempre houve o azul do céu, o branco das nuvens, o amarelo do sol, o verde das matas, o laranja do pôr-do-sol, e todos esses pigmentos são provenientes da natureza que apresentou aos homens o colorido que, por sua vez, ofereceu-lhes algum tipo de imagem, despertou-lhes sentimentos. E daí não foi difícil acontecer a necessidade de expressá-los, recorrendo também ao colorido. Imagem e sentimento: são estas a razão pela qual eu me dedico a este breve relato sobre as cores no romance gorkiano, por acreditar que elas podem ter sido personificadas em cada um dos personagens que, em algum momento da vida, cruzaram o caminho de Aleksiei/Górki. De forma interessante, as cores se fazem presentes na maioria dos textos e, sendo assim, elas merecem algum tipo de percepção já que elas são inerentes à vida de qualquer homem.
      Teorias sobre as cores são várias e a aplicabilidade delas mais diversificadas ainda. Mas será com Johann Wolfgang Goethe (escritor alemão) que irei colorir meus objetivos literários. Publicada em 1810, A doutrina das cores revolucionou a concepção prévia entre luz e cor proposta por Isaac Newton que via as cores como um fenômeno puramente físico, envolvendo a luz que incide nos objetos e que penetra nos olhos, ao passo que Goethe concebe a ideia da “sensação das cores” que surge na mente e é moldada pela nossa percepção, ou seja, enxergamos as cores por engrenagens visuais e pela forma de como nosso cérebro codifica as informações rque nos são enviadas. Goethe defende que o olhar é sempre crítico. Apenas olhar (ver) não gera um estímulo e um estímulo é uma experiência que transcende a um mero observar, ele cria um vínculo teórico e leva o observador a tirar suas próprias conclusões acerca do observado.
     Para Goethe, a sensibilidade, o sensorial, não são somente atos de recepção, são ímpeto, isto é, as cores devem ter dupla interpretação, elas devem ser vistas em paralelo como a “paixão” e a “ação” da luz. A cor não é apenas luz, mas é um resultado de uma interação, de um olhar como forma de criar o real. A luz não só está dentro de cada um de nós como acaba se identificando com o próprio sujeito. Daí a importância em ressaltar o processo de percepção visual pelo qual passou Aleksiei pois foi assim que ele manteve o contato com o mundo que o cercava e obteve informações sobre si mesmo, sobre os outros, sobre lugares e coisas e suas representações. Para Aleksiei, a cor é um dos principais fatores determinantes da forma como ele qualifica, recepciona e se relaciona com o mundo, por elas influenciarem o seu cotidiano e o seu comportamento, ajudando a revelar o estado de espírito das pessoas, podendo também servir até mesmo para pré-julgamento e declarações de amor do menino. A cor é, portanto, tudo aquilo que transparece a realidade. A cor tem compromisso com o real, com aquilo que é verossímil, entretanto, não devemos considerar que a cor dá a obra somente aspectos físicos. A cor que nos interessa aqui é aquela que transparece a realidade e é característica do âmbito literário, assim como dos atos, das vivências e dos estados de cada personagem que foram excessivamente talhados por Górki.
       Por que o olho vê com maior precisão o objeto dos seus sonhos, com imaginação, quando está acordado? Com esse questionamento de Leonardo da Vinci, encerro esse estudo, respondendo que talvez seja apenas pelo estado de vigília que sejamos capazes de interpretar a vida através da legítima reação de sensibilidade do olho à luz.
    Para quem desejar conhecer algumas obras de Górki em que claramente se sente a preseça da luz, das cores e dos cheiros, eu indico os livros Contos Italianos (Ed.Garapuvu), a trilogia autobiográfica Infância, Ganhando meu pão e Minhas Universidades (Ed.Cosac Naify, 2007) e os contos Vinte e seis e uma, Na estepe e Meu companheiro de estrada (Máximo Górki. Contos. ed Itatiaia, 2005).

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