sexta-feira, 6 de maio de 2011

Quem é você, Púchkin?

“O gigante Puchkin é o nosso maior orgulho e a maior expressão do espírito russo”
                                               M. Górki

No ocidente se questiona se ainda há espaço na literatura para a figura de um poeta nacional.  Considero que o pensamento ocidental se ocupou fundamentalmente da questão do conhecimento, da epistemologia onde não cabe mais a formatação de culturas em fronteiras bem fechadas. Porém, este não foi o caminho escolhido pelo pensamento russo atrelado à literatura. E é justamente na época de disseminação dos ideais iluministas que se cria um movimento progressista na Rússia, oriundo de uma tradição literária distinta e brilhante, obsessivamente centrada na sua cidade.
Para Aleksandr S. Púchkin, o conhecimento é significativo se for articulado com o desvelar dessa ótica realista (entendamos e significado da palavra realista apenas como visão de realidade político-social). É um olhar diferente do ocidental que, segundo Marshall Berman, ao falar sobre Puchkin, afirma que “pode até parecer irônico, até cáustico, falar da glória imperial numa hora como essa (Revolta Dezembrista de 1825). Mas se não percebermos que Púchkin acreditava ser real a glória do tsar, não sentiremos a força plena da crença quanto à futilidade e ao vazio e a dessa glória”. E é dessa predisposição histórica de onde parte a literatura russa, especialmente, no século XIX que endossa o conceito de que foram os poetas que escrevem o nacionalismo incutido no povo russo e que fica evidenciado em obras de diversos autores românticos russos entre os quais se destaca Púchkin.
Porém, como falar de literatura é falar de ficção, de fabulação, de arte, assim que entramos no mundo ficcional de puchkiniano, observamos que há vários tipos de personagens e que todos eles partem em busca de alguma coisa. Ao descrever cada um desses personagens, seus símbolos e relações, Púchkin utiliza todas essas energias, para designar modelos de personalidade que são uma herança compartilhada por todo o povo russo da época. Púchkin partiu do inconsciente coletivo russo que era semelhante ao seu pessoal. Sua ficção genuinamente nativa, nacional é como um retrato de uma cultura inteira que nasce desse coletivo, fazendo seus personagens incrivelmente atuais através dos tempos. A compreensão dessas forças fictícias é um dos elementos mais poderosos da coleção de recordações do poeta. Ao descobrirmos qual a função que um personagem que Púchkin está expressando no texto literário, saberemos determinar o peso de cada um deles nas narrativas.
Devemos, portanto, tentar compreender que os personagens de Púchkin não exercem papéis fixos, mas sim funções temporárias que se modificam ao longo das histórias. Olhando essas representividades como movimentos flexíveis de um personagem, é possível detectar as várias nuances da obra de Púchkin. Convivemos, então, com arquétipos que são como máscaras usadas quando convém pelos personagens à medida que são necessárias para o desenvolvimento da trama que sempre irá remeter um contexto histórico tido como verdadeiro.  Na minha interpretação, os personagens também podem ser enxergados como facetas da personalidade de Puchkin, ou seja, eles representam os ensinamentos que alguém como ele que já experienciou, os conhecimentos conscientes acumulados ao longo de sua existência como poeta e historiador discípulo de Karamizin, principal registrador da história russa.
A partir da obra de Puchkin, não se discute mais a conceito de autonomia da história, apenas procuramos entender, a partir da discussão sobre o conceito de história, o conceito central de suas obras: o conceito da literatura nacional. Entre os anos de 1831 e 1833, Puchkin escreve duas de suas principais obras em poesia, Boris Godunov e Ievgenii Onegin em que se levanta uma questão primordial sobre como pensar historicamente. Todavia, o autor não procurava orgulhosamente entronizar o lugar do historiador. Na verdade, para se compreender essas obras propuseram um exercício teórico que deveria realizar um exame de pressupostos, quebrando certezas cujo grau de cristalização romântica obscurecia o significados de conceitos fundamentais para a escrita da nova literatura russa introduzida por Púchkin, na Rússia. Sagaz, úchkin percebeu a relação entre a caudalosa produção historiográfica da primeira metade do século XIX e a confusão teórica da época e, assim, fundamentou a sua poética baseada na introdução do caráter nacional em suas obras.
São fundamentais as leituras dos poemas Boris Godunov e Ievgenii Onegin. Este recentemente publicado pela editora Record, traduzido pelo Embaixador Dário Castro Alves. Vocês podem ler a entrevista com o tradutor no link do jornal russo PRAVDA: http://port.pravda.ru/sociedade/cultura/02-09-2006/12545-eugenioonegin-0/
Quanto à prosa puchkiniana, isso é assunto para outro post.

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